Por Fábio Sormani
Pelé está sendo velado na Vila Belmiro (02/01), a sua casa desde sempre. Várias homenagens estão sendo feitas ao maior jogador de futebol de todos os tempos.
Tenho uma amiga querida, uma médica, que costumava dizer para um ente querido dela por conta da distância dessa pessoa com o pai: “Vá visitá-lo enquanto ele é vivo; depois, não adianta chorar no túmulo. Mostre seu amor a ele enquanto ele vive e pode sentir isso”.
Pois bem, o que acontece hoje com Pelé me faz lembrar dessa amiga médica querida. O povo brasileiro, de uma maneira geral, teve 65 anos para reverenciar e demonstrar seu amor a Pelé.
Não o fez.
Hoje, meio que talvez sentindo o peso dessa culpa, muitos vão para a frente das câmeras de televisão e começam a dissertar sobre a arte de Pelé nos gramados de todo o planeta ao invés de atacá-lo, como sempre fizeram. Mas eu pergunto: agora vocês querem reverenciar Pelé? Por que não o fizeram com ele em vida? Você, brasileiro, torno a dizer, você teve 65 anos para fazer isso, mas não o fez e agora parece querer reparar um equívoco gravíssimo cometido — e foi gravíssimo mesmo.
Enquanto Pelé vivia, muitos dos brasileiros preferiram olhar sempre a parte do copo que estava vazia. Sim, o copo nunca esteve cheio, pois Pelé era um ser humano, cometia seus equívocos, muito embora esses que teorizam em frente às câmeras de televisão, do jeito que falam, dão a entender que Pelé era perfeito.
Não era.
Ele beirou a perfeição como jogador de futebol. Como Edson, cometeu seus equívocos, como todos os seres humanos cometem. Você e eu.
E era nessa pessoa que o brasileiro, de uma maneira geral, focava, esquecendo-se do atleta genial que ele foi, único no esporte mais popular do planeta. E mesmo quando não tinha como não falar de sua genialidade, encontrava-se um jeito de criticá-lo.
Foi o que aconteceu quando ele fez o milésimo gol em 1969. Ao falar com os jornalistas sobre o feito, preferiu não jogar confete em si mesmo, preferiu alertar para o descaso país para com as nossas crianças e pela indiferença dos governantes para com os pobres.
Foi chamado de demagogo. Sim, no dia em que ele fez mil gols foi criticado! O brasileiro, sempre ele.
Hoje, essa casta de pseudo-intelectuais, que dá seguimento à intolerância de seus antepassados, essa casta, eu dizia, que nunca levantou a voz em favor de Pelé, vem discorrer sobre a arte do Rei do Futebol. E o que me deixa mais enojado é sentir que essas pessoas estão mais preocupadas em mostrar uma eloquência verborrágica narcisista do que em falar de Pelé. Falam pra si próprios, não me enganam, pois enquanto Pelé vivia, preferiam olhar para os enganos do Édson do que para os feitos do Pelé. Agora o bonito é elogiar. Então, elogiam.
Pelé foi atacado por não jogar a Copa de 1974. Foi atacado por não ter ajudado Garrincha. Foi atacado pelo fato de não ter reconhecido uma filha. Foi atacado por dizer que o brasileiro votava mal. Foi atacado por não levantar a bandeira contra o racismo. Colocavam tudo no mesmo balaio, desde que houvesse a possibilidade de atacá-lo. E o faziam.
Mas a maior das ofensas do brasileiro para com Pelé foi compará-lo a outros jogadores de futebol. Pior: dizer que ele era inferior a esses que faziam e fazem o que Pelé fez há meio século.
Pelé, caríssimo leitor e querida leitora, Pelé abriu portas para nós, brasileiros, no mundo inteiro. Naquela época, dizer que era do Brasil era sinônimo de grandeza, pois o Brasil era o país do Pelé. E Pelé era reverenciado no mundo inteiro.
Pelé colocou o Brasil no mapa mundi. Antes de Pelé, éramos uns ninguéns.
Pelé nos deu orgulho, especialmente em Copas do Mundo, onde dizer que se é brasileiro nos projetam olhares de respeito e admiração. Por quê? Por causa do Pelé.
Mas isso quase nunca foi visto, à exceção de meia dúzia de gatos pingados (e eu me incluo neles) que compravam briga quando falava-se mal do Pelé. E não era no exterior quando discutia-se futebol, por exemplo, pois isso jamais aconteceu: ninguém criticava Pelé; ao contrário, derramavam-se em elogios a ele. Essa meia dúzia de gatos pingados brigavam com brasileiros, isso mesmo, brasileiros, eu torno a dizer, que tinha como esporte favorito falar mal do Pelé.
Hoje, depois de sua morte, fala-se bem. Antes tarde do que nunca, você pode dizer, mas eu digo: Pelé, certamente, gostaria de ter ouvido em vida tudo o que se diz dele nesse momento.
Enfim, c’est la vie. Uma homenagem aos franceses que sempre admiraram Pelé.
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3 respostas para “O brasileiro e o Pelé”
Sormani concordo com quase tudo, sobre o não reconhecimento da filha imediatamente existe um motivo.
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Parabéns pelo comentário Sormani, assino embaixo tudo que você escreveu.
Pelé é insuperável e sempre será o nosso Rei.
Enquanto isso Neymar foi a outra festa.
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Como sempre, mais um texto irretocável, Sormani. Gostaria de aproveitar este espaço para sugerir a vc que parássemos de chamar os campeões de 94 e 2002 de tetracampeões e pentacampeões. Eles são campeões, ponto. O único tricampeão, como jogador, de fato e de direito é o Pelé, assim como Garrincha foi bicampeão. Essa história de chamá-los de tetracampeões ou pentacampeões lhes dá uma dimensão que nunca tiveram e que agora ficou mais evidente do quanto são diminutos. E o Marcos, hein? Que decepção! O Marcos, o Ronaldo, o Romário, o Ronaldinho, o Rivaldo, o Kaká, o Cafú, o Roberto Carlos, o Neymar jr…todos eles tem uma coisa em comum. Adivinha o quê…Eles se olham no espelho e aparece o reflexo de seu Mito. De onde menos se espera é que não sai nada mesmo. Esperar o quê dessa gente?
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