Por Fábio Sormani
Tuitei na noite desta sexta-feira (28/04) o seguinte: “Há gente sugerindo que o Corinthians deveria contratar Roger Machado porque seria a resposta para a confusão criada com a contratação do Cuca. Ou seja: Roger seria contratado por conta da cor da pele e não pela sua capacidade. Se eu fosse o Roger me sentiria ofendido e jamais aceitaria”.
Parece que estamos perdendo a mão. Podemos estar jogando fora uma oportunidade rara de limpar esse mundo emporcalhado.
Roger Machado serviria como bandeira de uma causa. Mas alguém perguntou pra ele se ele quer ser usado assim? Isso é certo?
Aproveitar-se da cor da pele, da predileção sexual, do gênero seria usar o reverso desta moeda suja, que deveríamos jogar fora e não colocar no bolso. A ideia a princípio parece correta e perfeita. Mas quem a propõe não se dá conta de que isso é uma tremenda falta de respeito com quem secularmente está buscando colocar-se em pé de igualdade com os discriminadores, buscando algo que lhe foi sempre negado. Quem tem que decidir isso são eles e não os outros por eles.
As pessoas têm que ser escolhidas, recrutadas, contratadas, admiradas, premiadas não por serem gays, lésbicas, pretos ou mulheres. As pessoas têm que ser escolhidas por suas capacidades, caso contrário estaríamos ofendendo-as, discriminando-as também. E elas continuariam sendo discriminadas e odiadas como vêm sendo desde sempre. Queremos usar essas pessoas como instrumentos da nossa escrota intelectualidade, tão porca e suja que não percebemos, porque chafurdamos na mesma mediocridade do mesmo lodo.
Temos que ser inteligentes e usar este momento para conquistar terreno e não para perdê-lo. Foi-nos dada a oportunidade de ter a bola e com ela conquistar espaço e derrotar o adversário repugnante. A bola é nossa! Mas do jeito que estamos jogando, a esmo, corremos o risco de perder a bola e sermos derrotados no contra-ataque.
Ao defender Roger Machado como técnico do Corinthians por conta da cor da sua pele, continuaríamos apontando o dedo para as minorias, fazendo a mesma coisa que esse mundo perverso vem fazendo desde sempre. Estaríamos usando desgraçadamente essas pessoas não do jeito correto, a ponto de angariarmos a simpatia de todos nessa causa nobre, numa causa que tem que ser abraçada por todos, mas de um jeito que o tiro pode sair pela culatra. Ou seja: com esse exagero estaríamos afastando de nós quem deveríamos tentar conquistar.
Roger Machado não pode ser usado do jeito que estão propondo. Há que se respeitá-lo. Ele tem que ser tratado com igualdade, tem que ser admirado não pela cor de sua pele, mas pela sua capacidade intelectual. Usá-lo para apagar erros históricos seria discriminá-lo de um jeito que ele, me parece, certamente não aprovaria — e nem seria a tática correta a ser usada nessa guerra. As pessoas que fazem isso parecem não perceberem o mal que estão fazendo.
Roger tem que ser contratado porque é bom, e não porque é preto. Uma mulher tem que ser contratada porque é boa no que faz e não porque é mulher. Um gay tem que ser contratado porque é bom no que faz e não porque é gay.
Estamos perdendo a mão, torno a dizer. A briga tem que ser em outro ringue, porque esse octógono está sujo de um sangue que não deveria ter sido derramado jamais.
Parecemos criança que nunca comeu doce e que quando tem a oportunidade de comer se lambuza. Estamos enlambuzados.
Calma, pessoal, ao tentar acabar com as máculas estamos maculando quem sempre foi maculado. Tudo isso sem perceber. Por isso temos que refletir e usar a cabeça e não o coração.
O coração, algumas vezes, nos prega peça. Há momentos em que ele deve ser deixado de lado para que a razão seja protagonista.
Esse é o caso neste momento.
2 respostas para “Roger Machado não pode ser o reverso dessa moeda suja”
Concordo “ipsis litteris”. Gosto muito de uma jornalista que está propondo a contratação do Roger e concordo com quase tudo o quê ela sempre escreve, mas neste caso penso que ela está mais pensando com o coração do que com a razão, como vc salientou, Sormani. Talvez outros tb estejam assim pensando. O seu texto, Sormani, é perfeito na essência e na forma. Nestes momentos o quê precisamos é essa lucidez. Parabéns!
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Obrigado, meu amigo.
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